Senado aprova MP que viabiliza privatização da Eletrobras; texto volta à Câmara

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Governo argumenta que privatização vai baratear conta de luz; entidades dizem que vai encarecer. Parlamentares criticam inclusão de ‘jabutis’, trechos sem relação com o objeto original.

Eletrobras headquarters building in Rio de Janeiro downtown, Brazil, Jan. 4, 2018. (Bloomberg Photo/Dado Galdieri)

 

Senado aprovou nesta quinta-feira (17) a medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras, a maior empresa de energia elétrica da América Latina.

Em um primeiro momento da sessão, os senadores votaram o texto-base, aprovado por 42 votos a 37. Depois, passaram à análise dos destaques, isto é, propostas que visavam modificar o conteúdo da MP, e todos foram rejeitados.

Como houve mudanças na versão aprovada pela Câmara dos Deputados, no mês passado, o texto precisará ser novamente analisado pelos deputados. A votação está prevista para a próxima segunda (21), um dia antes de a MP perder validade.

O texto incluiu “jabutis”, jargão utilizado por parlamentares em referência a trechos sem relação com o objeto original da MP (leia detalhes mais abaixo).

O governo afirma que a privatização da Eletrobras pode reduzir a conta de luz em até 7,36%. Entidades do setor elétrico, contudo, dizem que a conta pode ficar mais cara.

Durante a sessão, novas versões do relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) foram apresentadas, e vários senadores discursaram sobre o texto.

Objetivo central da proposta

 

Atualmente, a União possui cerca de 60% das ações da Eletrobras e controla a estatal. Com a capitalização, a partir da emissão de ações, deve reduzir a participação na empresa para menos de 50%. A projeção é que a União fique com cerca de 45% das ações.

Entre outros pontos, a proposta prevê que:

  • o aumento do capital social da empresa será por meio da oferta pública de ações;
  • cada acionista ou grupo de acionistas não terá poder de voto superior a 10%;;
  • a União terá ação preferencial de classe especial, a “golden share”, que dará poder de veto nas deliberações sobre o estatuto social da empresa.

 

Termelétricas a gás

 

A proposta prevê expansão da geração de energia elétrica por termelétricas movidas a gás natural. Esse é, segundo senadores contrários à previsão, um dos “jabutis da proposta”.

A energia a gás natural é mais cara e, de acordo com especialistas, o valor de contratação será repassado aos consumidores.

Pelo texto aprovado no Senado, terão de ser contratados 8 mil megawatts, quantidade suficiente para atender quase 10 milhões de brasileiros.

Essas usinas termelétricas a gás natural terão de entrar em operação entre 2026 e 2030. Os contratos são para geração de energia por 15 anos.

As usinas termelétricas são consideradas importantes para aumentar a segurança do sistema elétrico brasileiro, pois não dependem de fatores naturais para funcionar, como chuva, vento e sol. Porém, são mais caras e poluentes que as usinas hidrelétricas, eólica e solar.

Pelo texto, a contratação deverá ser assim dividida:

  • 1 mil MW na região Nordeste em regiões metropolitanas cuja capital não possua fornecimento de gás natural;
  • 2,5 mil MW na região Norte, instalando as térmicas em pelo menos duas capitais sem fornecimento de gás;
  • 2,5 mil MW na região Centro-Oeste nas capitais ou regiões metropolitanas que não possuem fornecimento de gás;
  • 2 mil MW para o Sudeste, sendo 1,25 mil MW para os estados produtores de gás e 0,75 mil MW para os não produtores, caso de Minas Gerais.

Os leilões terão um preço teto de R$ 370 por MW/hora, valor a ser atualizado até a data de contratação.

Como parte das regiões escolhidas não possui infraestrutura de transporte de gás natural, associações do setor calculam em cerca de R$ 20 bilhões o valor para implementação dessa infraestrutura.

 

Pequenas centrais hidrelétricas



 

Outro trecho considerado “jabuti” cria reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).

Os próximos leilões do governo para contratação de energia deverão prever a contratação de pelo menos 50% dessas pequenas centrais. Porém, essa contratação não pode superar 2 mil MW – quantidade suficiente para atender cerca de 2,5 milhões de pessoas.

Ultrapassados os 2 mil MW, o percentual cai para 40%. A regra vale para os leilões até 2026.

As PCHs são pequenas usinas com potência de geração de energia de até 50 MW, com área total do reservatório de água igual ou inferior a três quilômetros quadrados.

Esse item, segundo os senadores contrários à MP, também gerará repasse de custos aos consumidores.

 

Proinfa

 

Outro trecho visto como “jabuti” é o que prevê a prorrogação por mais 20 anos dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

A crítica é que esse programa incentiva a contratação de fontes alternativas de energia, como a eólica, mas o preço pago pela energia dos projetos do Proinfa está acima do de mercado, gerando custo adicional para os consumidores, segundo os especialistas.

O PSDB apresentou um destaque para retirar os “jabutis”. Entretanto, a proposta foi rejeitada pelos senadores.

 

Outros pontos da MP

 

O texto aprovado também estabelece, entre outros pontos:

  • Indenização ao Piauí: o relator no Senado acolheu sugestão de Marcelo Castro (MDB-PI), a qual prevê a indenização do estado do Piauí pela venda da Cepisa. O valor a ser pago estaria estimado em R$ 260,4 milhões.
  • Sabatina no Operador Nacional do Sistema: Segundo emenda do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), acolhida pelo relator, caberá ao Senado sabatinar e aprovar indicados para a diretoria do ONS, órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN).
  • Eletronuclear e Itaipu: A proposta autoriza o governo federal a criar uma empresa pública ou sociedade de economia mista para administrar a Eletronuclear (que controla as usinas de Angra) e a Itaipu Binacional.
  • Linhão do Tucuruí: Texto prevê que o governo possa autorizar a construção do Linhão do Tucuruí, ligando Manaus (AM) a Boa Vista (RR), sem necessidade de aprovação de licenças ambientais do Ibama e da Funai.

 

‘Jabuti’ retirado

 

Foi retirado da proposta um trecho considerado “jabuti”, que estendia até 2035 um subsídio à geração de energia elétrica por meio de usinas termelétricas movidas a carvão mineral.

Essas usinas a carvão são ainda mais caras e altamente poluentes em relação aos outros tipos de usinas térmicas.

Com isso, o subsídio – que é bancado pelo consumidor nas tarifas de energia – continua com o fim previsto para 2027.

O que disseram os senadores

 

Durante a sessão, senadores contrários ao texto afirmaram que a votação estava acontecendo de maneira “atropelada”. Segundo eles, o relatório foi apresentado de última hora, não houve estudos para avaliar o impacto da medida e ela pode representar aumento no valor da energia ao consumidor.

Já parlamentares favoráveis rebateram as críticas e afirmaram que o texto evitaria o risco de apagão e recuperaria o protagonismo da Eletrobras.

Líder da minoria, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que estava havendo uma “barganha de megawatts” ao comentar as mudanças feitas pelo relator. “Nós estamos tratando disso aqui agora como se fosse uma ‘xepa energética’”, disse.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), antes favorável ao texto, disse que mudou de posição após as alterações feitas à matéria original.

Líder do Podemos, o senador Alvaro Dias (PR) chamou a medida de “retrocesso”, afirmou que não houve estudos suficientes sobre a medida e afirmou que cabe uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o texto.

Já o relator do projeto, senador Marcos Rogério, sustentou que com o novo modelo de capitalização, a Eletrobras “terá de volta o seu protagonismo, com condições de investir, com condições de gerar energia mais barata e cada vez mais limpa”.

Ex-ministro de Minas e Energia durante o governo Dilma Rousseff, Eduardo Braga (MDB-AM) defendeu a medida provisória e afirmou que a proposta significará energia mais barata ao consumidor.

Líder do PL, Carlos Portinho (RJ) ressaltou que a medida traz uma alternativa à dependência da água. Para o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro, a MP vai prover o país de energia “para que a gente possa acelerar o nosso desenvolvimento, gerando emprego e renda”. Segundo ele, mesmo com a medida, o país vai continuar investindo em energias renováveis.

Fonte: G1