
No universo das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), não basta que haja legalidade — é necessário que exista legitimidade. E a legitimidade se sustenta, entre outros fatores, na imparcialidade de quem conduz o processo. Em Ariquemes, o vereador Lucas Folador, presidente da CPI que investiga a concessionária Águas de Ariquemes, vem se referindo publicamente à comissão como “CPI contra a empresa”. Embora pareça uma forma inofensiva de apontar o foco da apuração, essa linguagem tem implicações simbólicas sérias, que não podem ser ignoradas.
Como especialista em marketing político, destaquei recentemente em um podcast que a forma como um agente público comunica uma CPI precisa ser analisada sob a ótica da responsabilidade institucional. O termo “contra a empresa” não é neutro. Ele pressupõe culpa antes do fim da investigação. É um enunciado que carrega julgamento, e que, por isso mesmo, contamina a credibilidade da comissão. O vereador respondeu publicamente ao meu comentário, afirmando que o uso da expressão visa apenas indicar o objeto da investigação. No entanto, após análise mais aprofundada e conversas com juristas, é possível afirmar que a questão não é apenas de forma ou moralidade — envolve, sim, aspectos sérios que podem comprometer a credibilidade e os resultados da própria comissão.
O vereador argumenta que a expressão “CPI contra a empresa” é apenas uma forma objetiva de indicar o foco da investigação, já que há apenas uma parte sendo apurada — a concessionária. No entanto, é justamente por ser o presidente da comissão que sua linguagem exige ainda mais cuidado. Quando um agente público responsável por conduzir um processo investigativo adota termos que antecipam uma conclusão, mesmo que de forma não intencional, compromete a necessária aparência de imparcialidade que se espera de uma CPI. Não é apenas o respeito formal à defesa que está em jogo, mas também a confiança pública no processo. E nesse ponto, a linguagem institucional precisa ser técnica, precisa e equilibrada. Transparência e diálogo, como mencionados pelo vereador, são fundamentais, mas não substituem a isenção no discurso. O problema, portanto, não é a investigação em si, mas a forma como ela foi comunicada desde o início — com um enunciado que, vindo do próprio presidente da CPI, cria uma expectativa pública de culpa antes da conclusão do trabalho.
Vale lembrar que o principal objetivo de uma CPI é apurar a verdade dos fatos. Não é promover linchamentos públicos, nem reforçar narrativas políticas, mas sim reunir informações, identificar responsabilidades e contribuir com soluções concretas. Quando quem lidera a investigação já assume publicamente que há um culpado antes da apuração, a comissão perde seu maior valor, que é a confiança da sociedade na sua função investigativa.
Marketing político não é fazer vídeo bonitinho para rede social ou falar o que soa bem ao público. É saber o que, como e quando dizer — principalmente quando se ocupa uma posição de responsabilidade institucional. A comunicação de um parlamentar que lidera uma CPI não pode ser moldada por likes ou reações, mas pela consciência de que suas falas têm peso e consequências. Uma frase mal colocada, dita sem técnica e sem noção de impacto, pode invalidar uma ação inteira — inclusive uma CPI. E o erro, nesse caso, não é de forma. É de essência.
A fala vai de encontro ao que defendo foi feita pela vereadora Rafaela do Batista, relatora da CPI, que participou recentemente do programa Fala Ariquemes, da Rede TV, que reforçou o papel da comissão e convidando a população para a audiência pública do dia 15 de maio. Durante a entrevista, ela fez um esforço didático importante para esclarecer que o objetivo da CPI não é punir, mas investigar com responsabilidade e entregar um relatório consistente. Sua fala ajuda a reforçar que uma comissão como essa precisa caminhar com seriedade, respaldo jurídico e, principalmente, credibilidade diante da sociedade. É exatamente por isso que a forma como essa CPI é comunicada publicamente precisa ser criteriosa. Quando a linguagem usada pelos responsáveis pela condução da CPI transmite julgamento prévio, mesmo que de maneira não intencional, ela fragiliza o processo. A vereadora demonstrou preocupação em garantir que o rito seja seguido corretamente, e que a comissão se concentre na apuração dos fatos — e não em antecipar vereditos. Esse compromisso com a verdade precisa estar presente também no discurso institucional.
Ainda que não se trate de um processo judicial, uma CPI precisa seguir princípios básicos como equilíbrio, responsabilidade e respeito ao contraditório. A maneira como seus membros se comunicam — principalmente o presidente — influencia diretamente na forma como os trabalhos serão vistos e recebidos pela população e pelas partes envolvidas. Quando o discurso é carregado de viés, o risco de se perder o propósito original é grande. A busca pela verdade dá lugar ao espetáculo e a investigação se torna uma peça de marketing político.
É fundamental deixar claro que jamais questionei a necessidade de uma CPI. Pelo contrário, pois entendo como instrumento legítimo e necessário de fiscalização do poder público e das concessionárias de serviços. O que está em análise aqui é exclusivamente a forma como essa CPI foi comunicada e conduzida desde o início. Em minhas consultorias e mentorias políticas, nunca permito que meus assessorados cometam erros de comunicação que possam comprometer o andamento estratégico futuro de qualquer ação institucional. Responsabilidade, técnica e estratégia devem caminhar juntas.
Investigar é necessário. Apurar é fundamental. Mas o papel de quem preside uma CPI é o de garantir a integridade do processo — e essa integridade começa pelas palavras. Quando o discurso público abandona a neutralidade e adota o viés de combate, a CPI deixa de cumprir seu papel e passa a operar como peça de narrativa. E nesse cenário, perde-se não apenas a técnica — perde-se também a confiança.
Fonte: Ivan Lara
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