O cuiabano Joaquim Vicente Rondon, segundo governador do extinto Território Federal do Guaporé, ficou no cargo apenas 20 meses. Nesse período, construiu campos de pouso nos distritos de Abunã e Ariquemes, criou a imprensa oficial e o Aeroclube de Porto Velho.
Sobrinho do sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon, ele assumiu o cargo durante a reorganização dos quadros políticos nacionais após 15 anos do governo de exceção presidido por Getúlio Vargas.
Começou a governar sete meses antes da promulgação da Constituição de 1946 [a quinta na história brasileira], cumprindo o período de 1º de fevereiro de 1955 a 31 de janeiro de 1959. Faleceu em 1979.
PSD e PTB (*) davam os rumos da política e a situação se repetiria mais tarde em Rondônia. Em 1954 começava a crescer a oposição representada pelos conhecidos pele-curtas.
Filho de José Mamede da Silva Rondon e de Ana Isabel das Neves Rondon, Joaquim frequentou o Colégio Liceu Cuiabano, um dos mais tradicionais de Cuiabá. No Rio de Janeiro [então Distrito Federal], estudou e formou-se oficial na Escola Militar do Realengo. Também concluiu a Escola Superior de Guerra.
Nomeado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra por indicação de Aluízio – já deputado federal –, Rondon viveu as articulações maiores promovidas pelo PSD e, no comando do Território passou a opor-se a Aluízio Ferreira. “O choque entre ambos foi constante”, lembra a escritora Yêdda Pinheiro Borzacov.
Alijados do poder, os cutubas fundaram em 1954 o jornal O Guaporé, no qual Rondon se tornou conhecido por “cérebro de concreto”.
A disputa de cargos em comissão, possibilidades de favorecimento, reeleição e continuísmo eram disputados de forma agressiva e visceral”, conta o historiador Dante Fonseca. “A exemplo do plano nacional, essa política poderia ser entendida muito mais com o recurso a Maquiavel que a qualquer outro teórico político”.
SEM CÂMARA E SEM ASSEMBLEIA
“A exemplo dos demais territórios brasileiros, em 1943 o Guaporé possuía uma constituição política incompleta sob o ponto de vista da representação democrática, na medida em que não haviam os órgãos legislativos ao nível territorial”, lembra Fonseca.
Porto Velho e Guajará-Mirim eram os únicos municípios, não possuíam Câmara de Vereadores, nem o Território tinha Assembleia Legislativa. “O governador era nomeado pelo presidente e, por sua vez, nomeava os prefeitos e membros do Conselho Territorial, órgão meramente consultivo. Os detentores desses cargos podiam ser exonerados à vontade”, explica o historiador.
“IMPRATICÁVEL”
“O governador Rondon continuava com as intrigas mesquinhas e sorrateiras e o deputado Aluízio empreendia esforços para afastá-lo do cargo de governador”, observa a escritora Yêdda Borzacov.
Fonseca lembra que, dessa disputa não escaparam o arcebispo de Cuiabá, dom Aquino Correia, e a própria esposa do marechal Dutra, dona Carmela Dutra. “Em favor de Rondon, o arcebispo intercedeu com a primeira dama, ele permaneceu no cargo até a morte daquela senhora. Quando exonerado, aliados de seu maior inimigo político [Aluízio] passaram a soltar foguetes em comemoração”, conta.
O fato resultou na invasão da casa do presidente do PSD por Rondon e correligionários, com violência física e verbal.
EM 1954, DEPUTADO
Candidato das oposições [PSP coligado à UDN] em 1954, Rondon assumiu em 1955 o cargo de deputado federal, com mandato até 1959, já no final da segunda fase da Era Vargas, que terminaria sob o governo do presidente Café Filho.
Segundo Fonseca, seguindo a tradição então vigente, Rondon indicou para sucedê-lo o tenente-coronel José Ribamar de Miranda no período de cinco de abril de 1955 a 14 de outubro de 1956. Miranda recebeu o cargo em ato solene no Palácio Presidente Vargas. Texto do jornal A Noite, em 11/6/1955, elogiava o novo parlamentar, mas fazia críticas inominadas aos que se retiravam do governo – os cutubas. Adversários políticos de Rondon foram acusados da prática de violência e do uso do poder em proveito próprio.
“Imaginemos como era acirrada luta política que envolvia a nomeação do governador, da qual dependia a participação de seus correligionários no governo, vale dizer, nos cargos administrativos”, observa o historiador.
Aqui também se repetia a prática do empreguismo e do favorecimento pessoal, o que, na visão de Fonseca constituía “meio quase seguro” para a formação de um eleitorado fiel”.
Em projeto de lei, Vicente Rondon propôs a concessão ao tio, general Cândido Mariano da Silva Rondon, a patente de marechal concedida pelo Congresso Nacional em 1955. Na eleição seguinte, em 1958), a coligação PSD-PTB [vinculados à herança varguista] levou Aluízio ao segundo mandato de deputado.
MILITARES NA POLÍTICA, TRADIÇÃO QUE RENASCE
A participação dos militares na política nacional, nesse longo período de 1930 até 1946 não diferia muito da participação civil no que diz respeito às suas diretrizes ideológicas e comportamento político.
“Agrupavam à esquerda e à direita herdeiros civis e militares de tradições políticas de cunho autoritário que produziram ações tão diversificadas ideologicamente como o Levante Integralista, a Intentona Comunista de 1935 e a própria Revolução de 1930 com o seu Estado Novo (1937-1945), sob a liderança de Vargas, cujos ecos, quase imperceptivelmente chegavam a essas plagas”, ele relata.
Desta maneira, dependendo dos resultados eleitorais, os políticos em geral apoiavam propostas antidemocráticas ou aceitavam os resultados da disputa eleitoral. “Em ambos os casos, contudo, os perdedores passavam a fazer oposição irrestrita, insana e destrutiva contra o partido vencedor, reflexo dessa mentalidade pouco afeita à dinâmica das grandes democracias”, destaca Fonseca.
Para o historiador, uma interessante característica dos governos dos territórios era serem governados por oficiais das armas, tal como propugnado em 1849 por Francisco Adolpho Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro.
“Militares davam continuidade a uma tradição política inaugurada com a Proclamação da República, participando ativamente da vida política, tradição que hoje parece renascer”, acrescenta.
(*) Em 1950 os partidos com diretório organizado em Porto Velho, eram os seguintes: Partido Social Democrata (PSD), União Democrática Nacional (UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Social Trabalhista (PST) e Partido Social Progressista (PSP). Apesar da existência de comunistas na Capital, não havia ainda, naquele ano, diretório desse partido.
CARTA FAZ REPAROS PARA EVITAR O FASCISMO
► A Carta promulgada em 18 de setembro de 1946 refletia tanto o desejo nacional de restabelecer um governo livre quanto a tendência global de suplantar movimentos de caráter fascista, a exemplo das que haviam caído na Europa e Japão um ano antes.
► A própria queda de Getúlio Vargas foi motivada pela óbvia contradição de seu governo, de inspiração fascista, entrar em guerra contra regimes análogos na Europa.
► Estabeleceu: a igualdade de todos perante a lei; a liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, a não ser em espetáculos e diversões públicas; a inviolabilidade do sigilo de correspondência; a liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos; a liberdade de associação para fins lícitos; a inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo; a prisão só em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente e a garantia ampla de defesa do acusado; extinção da pena de morte; e separação dos três poderes.
► A Carta reinstituiu os preceitos democráticos da Carta de 1934, que precedeu o Estado Novo. Embora renascentes, os valores liberais [liberdade individual, republicanismo, entre outros] jamais adquiririam a mesma força do Pré-Segunda Guerra. O mundo, às margens da Guerra Fria, ainda estava dividido entre a crença em um Estado centralizador e um descentralizador.
► Extinguiu os territórios do Iguaçu e de Ponta Porã, ambos reintegrados aos estados que outrora abrangiam: Paraná e Mato Grosso.
Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Arquivo Sejucel, Ésio Mendes e CPDOC da Fundação Getúlio Vargas
Secom – Governo de Rondônia
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