A peça é encenada por Hilda Torres, atriz pernambucana e idealizadora do projeto
Era início de 2015. A conjuntura sócio-política brasileira já dava sinais de que tempos ainda mais conturbados estavam por vir. Uma agenda baseada na intolerância e perseguição à liberdade artística voltava a ser adotada no Brasil. Foi em meio a esse contexto, 42 anos depois da morte da paraguaia Soledad Barrett Viedma, assassinada pelo regime militar brasileiro, em 1973, na Região Metropolitana do Recife, que surgiu o espetáculo Soledad – a terra é fogo sob nossos pés.
Sete anos depois de sua estreia e algumas circulações pelo Brasil e o mundo, passando por cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Montevideo (Uruguai), Assunção (Paraguai) e Havana (Cuba), a produção já tem data definida para seu retorno aos palcos. Em mais uma circulação internacional, dessa vez pela Espanha e Argentina, o público poderá conferir ao longo do mês de outubro oito apresentações do espetáculo em cidades espanholas como Madrid, Santander, Bilbao, Oruña de Piélagos, Cabezón de la Sal e Torrelavega, cidade que, de algumas formas, faz parte da história da personagem. Além das apresentações, o Grupo Cria do Palco – responsável pela obra – ainda participará de alguns debates sobre arte, militância e a conjuntura política do Brasil, a convite de organizações locais. As apresentações na Argentina serão realizadas no início de 2023.
“Sol”, como era conhecida entre os mais próximos, teve sua trajetória desenhada em meio à luta sociopolítica de sua família. Seu Avô, o renomado jornalista e escritor espanhol, natural de Torrelavega, Rafael Barrett, foi uma grande inspiração ideológica para ela. Quando nasceu, seus pais e irmãos mais velhos já eram militantes e dedicaram suas vidas quase integralmente à luta contra ditaduras em toda a América Latina. Os exílios políticos fizeram parte da sua vida desde muito nova, com menos de um ano de idade enfrentou o seu primeiro, na Argentina. Aos 17 anos, em mais um exílio, dessa vez no Uruguai, Soledad foi sequestrada por um grupo neonazista e teve suas duas pernas marcadas com a suástica, através de uma navalha. Ela negou-se a gritar palavras em saudação a Hitler e por isso sofreu essa brutal violência.
Com isso, ao invés de se intimidar, Soledad passou a se dedicar ainda mais à militância. Imediatamente foi para Moscou estudar teorias comunistas. Depois de um ano foi novamente para a Argentina e em seguida para Cuba, onde treinou táticas de guerrilha, casou e deu a luz a sua única filha, antes de vir para o Brasil e ser entregue à morte pelo seu então companheiro, conhecido por todos como Daniel, mas que, na verdade, era o Cabo Anselmo – o infiltrado dos órgãos de repressão mais conhecido do país. Sozinho, estima-se que ele levou à morte aproximadamente metade de todos os mortos e desaparecidos políticos contabilizados pela ditadura brasileira. O fato de Soledad estar grávida dele não foi suficiente para sensibilizá-lo.
A dramaturgia do espetáculo surge a partir da cronologia da personagem, alcançada através de pesquisas de campo, músicas da época, poesias (muitas de ex-presos políticos), cartas, entrevistas sistemáticas, acesso a documentos e o contato com familiares – especialmente as parceiras do projeto, Ñasaindy e Ivich Barrett (filha e neta de Soledad, respectivamente). Vale ressaltar que Ñasaindy, inclusive, além de ter contribuído para esse processo de pesquisa, ainda assina a identidade visual do projeto, cedeu uma de suas composições para a trilha sonora do espetáculo e integra, como debatedora fixa, a equipe base de circulação da obra. Após o término de todas as apresentações a produção realiza debates, geralmente com temas que envolvam o ativismo artístico encampado pelo grupo.
A peça é encenada pela atriz pernambucana e idealizadora do projeto, Hilda Torres. A direção é da atriz e diretora, que nasceu na Argentina, mas foi ainda pequena para São Paulo, Malú Bazán. As duas são responsáveis pela construção da dramaturgia, que toma fôlego a partir de uma costura entre diversos instrumentos de pesquisa e obras poéticas, que datam de 1904 até a contemporaneidade.
Com duração de 60 minutos, o solo desloca o espectador pra uma época aparentemente conhecida, mas pouco entendida e ao mesmo tempo levanta questões da atualidade, proporcionando um espaço de reflexão, provocação e possibilidades, sobretudo nos dias atuais. Trata-se de uma narrativa que traça um ousado “diálogo” entre o passado e o presente, nos levando a perceber que as coisas não mudaram tanto assim.
SERVIÇO
13 de outubro: apresentação no Teatro Concha Espina (Torrelavega), às 20h30;
14 de outubro: apresentação e debate na sala Mauro Muriedas (Torrelavega), às 18h00;
15 de outubro: oficina de teatro para mulheres na Asociación Eureka (Santander), das 17h às 21h;
16 de outubro: apresentação no Teatrería de Abrego (Oruña de Piélagos), às 20h;
17 de outubro: debate “arte y militancia” em la vorágine (Santander), às 19h30;
18 de outubro: encuentro con estudio de actores (Santander), horário a definir;
20 de outubro: apresentação do espetáculo no café de las artes (Santander), às 20h;
21 de outubro: apresentação na sala Arimaktore (Bilbao), às 20h;
22 de outubro: debate “arte y militancia” em louise michel | Arroka – Bilbao às 19h;
24 de outubro: apresentação em Madri no Espaço Lá Parceria, às 20h.
FICHA TÉCNICA
Idealização e coordenação do projeto: Hilda Torres
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Atuação: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Cenário e figurino: Malú Bazán
Desenho de luz: Eron Villar D
ireção musical: Lucas Notaro
Produção Geral: Márcio Santos
Produção Executiva: Áurea Luna
Assessoria de Imprensa: Alcateia Comunicação (Andréa Almeida)
Debatedora Fixa: Ñasaindy Barrett de Araújo
Administração do Projeto: Hudson Wlamir
Designer: Tiago Melo
Por: Alcateia Comunicação e Cultura
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